quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Inclusão social e o direito de não consumir - parte III


Há alguns dias eu li uma reportagem em que o gerente nacional de publicidade e propaganda da Caixa Econômica Federal dizia que "é muito gratificante para a instituição ser reconhecida por contribuir na diminuição do déficit habitacional no país e na realização do sonho de muitos brasileiros".

Em uma página na internet, a Caixa Econômica Federal afirma que cumpre "um papel marcante no esforço pela inclusão social e pela erradicação da pobreza", estendendo "serviços bancários, inclusive crédito, à população de baixa renda". Balela. Conversa fiada.

O banco não é meu amigo. O banco não está preocupado com meus sonhos e nem com o déficit habitacional brasileiro. A Caixa Econômica Federal - assim como todo e qualquer banco - é uma empresa. Não faz favor a ninguém. Suas ações são voltadas à obtenção de lucro. Ela quer que eu compre uma casa própria não porque isso materializa a dignidade da pessoa humana, mas sim porque ela tem o interesse em financiar essa compra. Quando ela financia a compra de um imóvel, ela quer os juros que eu vou pagar sobre o dinheiro emprestado. É matemática, é negócio. Um banco é um comércio, assim como um açougue, uma sapataria ou uma joalheria. O açougue vende carnes; a sapataria vende sapatos; a joalheria vende jóias. O banco vende dinheiro. Dinheiro, aliás, que não é dele, mas sim dos outros investidores/poupadores.

O dono do açougue não vai ficar nem mais nem menos feliz em saber se o cliente vai fazer um churrasco de confraternização com os amigos ou se vai servir a carne em um velório. O dono da sapataria não está preocupado se o freguês vai comprar aquele sapato de bico fino para fazer trekking. O dono da joalheria não perde o sono para saber se o Rolex vai ser dado de presente para o marido ou para o amante. O que eles querem e os deixa felizes é só uma coisa: vender.

Isso não é, por si só, ilegítimo. O que não é legítimo e nem verdadeiro é a propaganda de inclusão social e de erradicação da pobreza. Que inclusão social é essa que se realiza tentando enfiar goela abaixo do consumidor um produto que ele não pediu para contratar e que muitas vezes não lhe trará qualquer utilidade? Que inclusão social é essa que cria para o consumidor uma dívida que não lhe foi esclarecida? Ao aumentar de maneira ardilosa o endividamento do consumidor, vendendo-lhe produtos que não lhe foram sequer apresentados e cujos contratos lhe foram entregues dissimuladamente para assinatura, o que ocorre não é inclusão, mas sim exclusão social. Exclusão pelo desrespeito, exclusão pela falta de esclarecimento, exclusão pelo abuso do poder econômico.

Na sociedade de consumo em que estamos inseridos, onde viver é quase que sinônimo de consumir (consumir diversão, consumir cultura, consumir saúde, consumir educação, enfim, consumir os mais diversos tipos de bens e serviços), a inclusão social costuma ser enxergada apenas por essa ótica: a inclusão pelo consumo. Se o indivíduo tem casa, carro, escola, lazer, ele está incluído; os que não têm acesso a isso são chamados excluídos. Esse, porém, é apenas um dos lados da moeda.

Além do direito de consumir bens essenciais, o indivíduo deve ter respeitado também o seu direito de não consumir produtos e serviços que não lhe interessem. Afinal, consumir é, via de regra, algo oneroso. Custa dinheiro. O consumo desmedido é nefasto não só para a economia (pois gera inflação), mas principalmente para o próprio consumidor, que, comprando inadvertidamente produtos e serviços desnecessários, tem seu modo de vida definido de maneira artificial e desequilibra suas finanças, podendo sofrer, como conseqüência, a exclusão da sociedade de consumo de bens essenciais.

A Caixa Econômica Federal - e qualquer outro banco - pode contribuir com a inclusão social não "empurrando" para o consumidor produtos onerosos de maneira dissimulada, mas sim fomentando o consumo consciente, de produtos e serviços cujos propósitos e utilidades sejam efetivamente esclarecidos ao consumidor. Isso, porém, lamentavelmente, parece não estar entre as metas a serem cumpridas.

Inclusão social e o direito de não consumir - parte II


No caminho de volta para o trabalho, me veio à mente aquela senhorinha que eu havia visto enquanto esperava ser atendido, que teve dificuldade até mesmo para transpor a porta giratória da agência. Se toda essa situação que eu descrevi aconteceu comigo - que, tal qual o gerente, me apresentava vestindo terno e gravata e supostamente possuía um nível razoável de esclarecimento -, posso imaginar o que se passa diariamente com as centenas de pessoas menos favorecidas e de aparência muito mais humilde que por algum motivo precisam lidar com um banco. Sobretudo o público da Caixa Econômica Federal, que segundo o próprio gerente, é composto principalmente de pessoas de baixa renda - e, evidentemente, menor esclarecimento. Em tempos de "Minha casa, minha vida", com juros atrativos para financiamento imobiliário, suponho que, não só em Diamantina/MG, mas em todo o país, devem estar sendo vendidos milhares de seguros de vida, seguros de casa e "Construcards" que jamais serão utilizados pelos consumidores - e o que é pior, que os consumidores nem sabem que estão contratando.

As irregularidades que aconteceram no meu caso podem ser descritas de forma bem objetiva: a)- o gerente não estava de posse das 2 (duas) propostas de seguradoras, embora isso fosse uma obrigação contratual da Caixa Econômica Federal; b)- o gerente me entregou os documentos do seguro de vida, do seguro de casa e do "Construcard" sem me explicar com clareza o que era aquilo, como se fossem coisas vinculadas ao contrato de financiamento imobiliário, certamente na expectativa de que eu fosse assiná-los "no embalo", já que havia acabado de assinar em 104 (cento e quatro) páginas.

Por óbvio, é inútil apresentar uma reclamação ao banco quanto a conduta do gerente. E isso por um motivo bem simples: a conduta do gerente é a conduta do banco. Ele foi treinado para agir dessa forma. O que o banco poderia dizer é, na melhor das hipóteses, que tudo não passou de um mal-entendido.

De fato, a verdade é rigorosamente essa: tudo foi realmente um mal-entendido, no sentido mais literal dessa expressão. Porém, dizer que foi um mal-entendido não alivia a barra do banco, mas apenas comprova que ele teve uma conduta irregular. Existe uma lei chamada Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). Essa lei diz, no art. 6º, III, que é direito do consumidor ter "informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem".

Dessa forma, se houve algum mal-entendido, isso quer dizer que o banco não se desincumbiu da sua obrigação de me explicar de forma adequada e clara aquilo que o gerente estava me entregando para assinar. Ou seja: o banco descumpriu a lei. Sem contar que, convenhamos, ninguém aqui é tapado: esse tipo de "mal-entendido" é bastante conveniente para o banco.

A postura correta do gerente seria, em relação ao "Construcard", me explicar: "olha, isso aqui é um cartão de crédito que te proporciona um limite para realizar obras no imóvel que você está comprando, mas se trata de um produto completamente desvinculado e independente do contrato de financiamento imobiliário, que você contrata somente se quiser". Da mesma forma quanto aos seguros: "veja, esses seguros não são aqueles que você se obrigou a contratar no contrato de financiamento. São diferentes, mais abrangentes, também não têm qualquer vinculação com o contrato de financiamento". Infelizmente, não foi assim que a coisa aconteceu. Os esclarecimentos somente vieram por dedução minha, depois de uma meia dúzia de perguntas feitas ao gerente e respondidas de forma pouco convincente.

Inclusão social e o direito de não consumir - parte I

O post da última segunda-feira foi para falar sobre a criação da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (CIMOS) na estrutura do Ministério Público de Minas Gerais e para dizer que a sede da CIMOS-Central se encontra instalada na 2ª Promotoria de Justiça de Diamantina/MG. E vejam que coincidência: ontem já aconteceu algo que me remeteu ao assunto inclusão social e me pareceu importante a ponto de me despertar interesse em escrever um outro post a respeito.

Certa vez, meu sogro, uma figura raríssima, muito simples e bastante espirituoso, me disse que "a primeira coisa que mais dá dinheiro no mundo é um banco bem administrado, e a segunda coisa é um banco mal administrado". Ontem eu tive a nítida sensação de como isso é verdadeiro.

Fui à agência da Caixa Econômica Federal de Diamantina/MG para contratar um financiamento imobiliário. Como era horário de expediente (13h30min), sol a pino, estava eu (in)devidamente equipado com aquelas vestes que, embora absolutamente inapropriadas para um país tropical, contribuem para fazer com que as pessoas me reconheçam como Promotor de Justiça - normalmente até sem que eu precise dizer nada quanto a isso.

Cheguei à agência, me anunciei ao gerente e fiquei aguardando ser chamado. Durante a espera, pude perceber que uma senhora já de meia-idade, que aparentava extrema humildade e simplicidade, estava com dificuldades para transpor a porta giratória, tentando percorrê-la em sentido horário, quando ela na realidade funcionava no sentido anti-horário.

Depois da espera, que durou não mais do que 10 (dez) minutos, fui chamado. Sentado à mesa do gerente, ele, tratando-me por "Doutor Adriano", me entregou um contrato gigante de 26 (vinte e seis) páginas, em 4 (quatro) vias, para ler e assinar em cada página (no total, assinei 104 vezes). Todo o procedimento de leitura das cláusulas e assinatura das páginas deve ter me consumido cerca de 40 (quarenta) minutos - e olhe que eu li bem rápido. Não sei se você, leitor amigo, tem muita experiência em contratar financiamentos imobiliários, mas essa foi a minha primeira vez. E posso dizer que já fiz coisas mais fáceis na vida.

Apesar de ter entendido "o grosso" do contrato de financiamento, algumas cláusulas não foram plenamente compreendidas por mim. Uma coisa, porém, havia chamado minha atenção: no contrato, estava prevista a minha obrigação de contratar um seguro pessoal e imobiliário, dentre pelos menos 2 (duas) opções de seguradoras sugeridas pelo banco.

Concluída a assinatura do contrato, o gerente me apresentou um outro contrato, referente a um tal de "Construcard", em 2 (duas) vias, mas bem menos extenso que o anterior - talvez umas 6 (seis) páginas. Ele simplesmente me entregou o contrato e disse que era um crédito que a Caixa Econômica Federal estava disponibilizando para o caso de eu querer fazer alguma reforma no imóvel que eu estava acabando de comprar. Li e reli. Gastei mais uns 10 (dez) minutos, mas ainda não havia assinado esse último contrato.

Em seguida, o gerente me entregou outras 2 (duas) folhas, uma referente a um seguro de vida e outra referente a um seguro de casa. Vi que a soma dos dois dava algo em torno de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). Perguntei: "eu tenho que contratar um seguro pessoal e um do imóvel, não é isso?". O gerente me respondeu afirmativamente. Quando eu já ia assinar essas 2 (duas) folhas, não sei por que, resolvi perguntar ao gerente o tempo de vigência desses seguros, pois meu financiamento durará 35 (trinta e cinco) anos, e eu não queria ter que ficar pagando R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) extras periodicamente. Ele me disse que a vigência desses seguros era anual. Lembrei que o contrato gigante que eu tinha acabado de assinar previa a apresentação de pelo menos 2 (duas) opções de seguradoras e aquelas propostas eram apenas da seguradora da Caixa Econômica. Então perguntei de novo: "mas eu sou obrigado a contratar esses seguros?". Ele, enfim, respondeu que obrigado eu não era, mas que aquela era uma cobertura mais abrangente, e blá, blá, blá.

Àquela altura, depois de quase assumir desnecessariamente uma despesa adicional de cerca de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), eu tinha matado a charada: os bancos - e, por óbvio, seus funcionários - possuem metas a cumprir. O que o gerente estava tentando fazer era vender, sem que eu percebesse, mais 2 (dois) produtos junto com o financiamento: um seguro de vida e um seguro de casa. E sem que eu precisasse comprá-los, pois, na realidade, o seguro pessoal e o seguro imobiliário que eu havia me obrigado a contratar já estavam como que automaticamente assumidos no contrato de financiamento imobiliário - o gigante - que eu tinha assinado.

Se essa situação estava acontecendo com os seguros, deduzi imediatamente que o "Construcard" - aquele, cujo contrato eu tinha lido em 10 (dez) minutos, mas ainda não havia assinado - era a mesma coisa: mais um produto que estava na meta de venda do banco, mas que eu não tinha a menor necessidade de adquirir. Dessa vez eu fui direto: "eu não preciso de assinar isso aqui, não é mesmo?". O gerente não teve como fugir: "não, não precisa". Ocorre que, por uma dessas imbecilidades que de vez em quando me acometem, acabei assinando o contrato do tal "Construcard", apenas me certificando de que ele somente me gerará despesas caso eu venha a utilizá-lo - o que não vai acontecer. Na hora tive a estúpida misericórdia de contratar o "Construcard" para ajudar a bater as metas não do gerente, mas de um outro funcionário bastante solícito com quem eu vinha tratando do financiamento.

Já com a situação bem compreendida na minha cabeça, decidi dar uma cutucada no gerente: "cadê as duas opções de seguradora que deveriam ser apresentadas para que eu pudesse escolher"? Depois de tentar rodear, ele disse que teria que solicitar a um funcionário do outro andar. Preferi desistir de analisá-las, pois aquilo já estava me tomando bastante tempo e poderia acabar me atrasando ainda mais. Além disso, os valores dos seguros embutidos no contrato do financiamento são relativamente baixos e não me causarão grandes prejuízos. Assinei o que precisava assinar e fui embora.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Ministério Público e Inclusão Social

O leitor pode perceber que, na parte lateral esquerda da tela, onde estão listados os "Meus Blogs Favoritos", foi acrescentado um link para o blog da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (CIMOS).

Trata-se de um órgão criado dentro da estrutura do Ministério Público de Minas Gerais pela Resolução nº 08/2009, do Procurador-Geral de Justiça, posteriormente alterada pela Resolução nº 74/2011, também do Procurador-Geral de Justiça.

A CIMOS vem "com o objetivo de ser um espaço organizado dentro do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, dedicado às questões de participação e inclusão social, de debate e formação, sempre na perspectiva da interlocução com os diversos atores sociais, nos mais variados espaços, ong’s, sindicatos, Igrejas, criando uma interface entre o MP e a Sociedade Civil Organizada.

Ampliar canais de participação social, implementando práticas participativas, dentro de um contexto de garantia e efetividade dos Direitos Fundamentais. Nesta perspectiva, o Ministério Público cumpre seu papel precípuo, sendo interlocutor com os movimentos organizados da Sociedade Civil, para assegurar esses direitos, listados e não garantidos efetivamente.
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, traça um papel relevante ao MP, determinando, dentre outras, '… a defesa dos interesses sociais…(Art. 127, CRFB)'. Helio Bicudo, em recente artigo, assevera, que '…se ao Ministério Público incube a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, essas atribuições objetivam a concretude daquilo que é fundamental do estado, tendo em vista as metas assinaladas indispensáveis para a construção de uma sociedade democrática (para construção de uma sociedade justa e solidária, é necessário erradicar a pobreza e a marginalização promovendo o bem de todos sem preconceitos) (CRFB Art. 3.º)' (in, De Jure, julho/dezembro de 2007).
Defender os interesses sociais, sendo, interlocutor, e chamando os Movimentos Sociais, para serem efetivamente seus protagonistas. Fazer um trabalho institucional também esses Movimentos, convidando-os a cerrar fileiras com o MP para garantia de seus direitos. Reuniões, Audiências Públicas, Projetos, iniciativas de apoio e de incentivo às Lutas Populares, qualificando-as como legítimas e legais.
Quantos avanços, quantas conquistas poderíamos elencar, destacando simplesmente os resultados nas várias regiões do estado, nas demandas apresentadas pelos movimentos sociais. Interlocução que fica marcada pela intensa participação dos movimentos, numa interação entre MP e Sociedade Civil Organizada.
É nesse diapasão que se consolida a Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social: um Canal das demandas Sociais reprimidas, garantindo-se ampliação e efetividade nos Direitos Fundamentais. Um espaço de interação, formação e discussão destas demandas, numa perspectiva de transformação social".

A CIMOS atua de forma regionalizada no Estado de Minas Gerais (Norte, Noroeste, Central, Vale do Jequitinhonha, Vale do São Francisco, Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce).

sede da CIMOS-Região Central funciona desde a última quinta-feira (13/09) na 2ª Promotoria de Justiça de Diamantina/MG (Rua Macau do Meio, nº 196, Centro, Diamantina/MG, tel. (38)3531-9664). Visite-nos para maiores informações.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Nenhum motivo para otimismo

Substituição no Supremo Tribunal Federal (STF): sai Cezar Peluso, aposentado compulsoriamente, entra Teori Albino Zavascki, que, se pretender permanecer até os 70 (setenta) anos, comporá a Corte até 2018.

Para os que tinham alguma esperança que fosse dado um passo rumo à quebra do paradigma de impunidade na classe dos poderosos (políticos, agentes públicos ímprobos, etc.), o conselho é esse: continuem esperando, e de preferência sentados em uma cadeira bem confortável.

O blog do jornalista Josias de Souza trouxe um perfil do novo indicado, externado em decisões tomadas enquanto ele ainda era ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Grifo aquelas que representam um mau agouro. Vejam:


1Arruda: em fevereiro de 2010, a Corte Especial do STJ julgou pedido do Ministério Público para que fosse decretada a prisão de José Roberto Arruda (ex-DEM). Ele ainda governava o Distrito Federal. Investigado no caso do mensalão brasiliense do DEM, foi acusado de tentar subornar uma testemunha, interferindo no andamento do inquérito. Dos 15 ministros presentes ao julgamento, 12 votaram a favor da prisão. Teori Zavaschi foi um dos três que se posicionaram contra o encarceramento de Arruda.
2Palocci: em novembro de 2010, a 1ª Turma do STJ julgou recurso do Ministério Público contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que livrara Antonio Palocci de uma ação por improbidade administrativa. O petista havia sido acusado de fraude na contratação de serviços de informática à época em que fora prefeito de Ribeirão Preto. Negócio de R$ 3 milhões, em valores de 2002.
Relator do caso, Teori Zavaschi sustentou em seu voto que o Ministério Público não apresentara elementos capazes de justificar a revisão da absolvição decretada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Em votação que durou cerca de cinco minutos, foi acompanhado pela unanimidade dos membros da turma do STJ. Nessa época, Palocci chefiava a equipe de transição de Dilma. A decisão abriu caminho para que fosse nomeado para a chefia da Casa Civil.
3Garotinho: em setembro de 2011, a Corte Especial do STJ deliberou sobre recurso de Anthony Garotinho (PR-RJ) contra ação de improbidade administrativa aberta contra ele no Rio. Presente à sessão Teori Zavaschi levantou uma “questão de ordem”. Lembrou que Garotinho assumira em 2010 uma cadeira de deputado federal. Sustentou que o réu passara a dispor de prerrogativa de foro. Como parlamentar, só poderia ser julgado pelo STF. A tese é controversa.
Procuradores da República entendem que o foro privilegiado não se aplica às ações por improbidade. Zavaschi pensa de outro modo. Acha que, embora a prerrogativa de foro seja assegurada pela Constituição apenas nas ações penais, deve ser estendida aos casos de improbidade.
Argumentou: “Por imposição lógica de coerência interpretativa, a prerrogativa de foro em ação penal, assegurada aos parlamentares federais, se estende, por inafastável simetria com o que ocorre em relação aos crimes comuns, à ação de improbidade, da qual pode resultar, entre outras sanções, a própria perda do cargo”. A tese prevaleceu no STJ. E o caso de Garotinho foi ao STF. Encontra-se pendente de julgamento. Mandado ao Supremo por Dilma, o novo ministro terá agora a oportunidade de manifestar-se sobre o mérito das acusações.
4Desmembramento de processos: Num processo aberto contra quadrilha que agia no Tribunal de Justiça do Espírito Santo, o STJ procedeu de modo inverso ao que fez o STF no caso do mensalão. No Supremo, os ministros rejeitaram –ora por maioria ora por unanimidade— quatro recursos em que advogados dos réus pediam o desmembramento dos autos. Rejeitou-se o argumento de que os réus sem mandato deveriam ser julgados na primeira instância, não no STF.
No processo do Espírito Santo, o STJ optou pelo desmembramento. A decisão foi adotada a partir de uma “questão de ordem” levantada por Teori Zavaschi na Corte Especial do Tribunal. O caso envolve a acusação de que os processos do TJ capixaba eram submetidos a uma distribuição de cartas marcadas, que resultava em absolvições combinadas.
A suposta quadrilha teve a participação de nove pessoas. A partir da intervenção de Zavaschi, o STJ decidiu que irá julgar apenas duas: um desembargador do TRF-2 e um juiz federal. As acusações formuladas contra os demais foram devolvidas à 2ª Vara Criminal Federal de Vitória. Entendeu-se que não dispunham de prerrogativa de foro por função. Aplicado ao mensalão, esse entendimento reduziria o julgamento a três deputados federais. Sem mandatos, réus como José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Roberto Jefferson e os quatro ex-gestores do Banco Rural iriam para varas do primeiro grau.
5Novo partido: Teori Zavaschi ocupa, na condição de suplente, uma cadeira no Tribunal Superior Eleitoral. Nessa condição, participou, em setembro de 2011, da sessão em que o TSE deliberou sobre o registro do PSD. O ministro compôs a maioria (6 a 1) que votou a favor da existência legal do novo partido do prefeito paulistano Gilberto Kassab. Graças a essa decisão, o PSD logrou participar das eleições municipais de 2012.
6Guerrilha do Araguaia: em junho de 2007, o STJ tomou uma decisão histórica. Deu-se no julgamento de processo sobre a guerrilha do Araguaia. A Justiça havia deferido pedido de familiares de desaparecidos políticos para que os arquivos militares fossem abertos. A União recorrera ao TRF de Brasília. O recurso fora indeferido. Protocolara-se novo recurso, dessa vez no STJ.
Coube a Teori Zavaschi relatar a encrenca. O voto do ministro, referendado pelos colegas, deu razão às famílias dos desaparecidos. Pondo fim a uma agonia que durava 25 anos, o STJ ordenou a abertura dos arquivos militares sobre a guerrilha. Deu prazo de 120 dias para que o governo informasse o local em que haviam sido sepultados os corpos dos guerrilheiros mortos. Determinou que as ossadas fossem sepultadas em locais indicados pelos parentes. A senteça foi além: ordenou que as Forças Armadas intimassem os militares que tomaram parte dos combates à guerrilha para revelar o paradeiro dos mortos.
As ordens do STJ resultaram inócuas. O papelório da guerrilha jamais veio à luz. O Ministério da Defesa alegou que os documentos haviam sido incinerados. A localização dos corpos remanesce como um dos segredos mais bem guardados da ditadura. O voto de Teori Zavaschi virou peça de arquivo. No texto, o escolhido de Dilma anotou coisas assim:
“Embora já distante no tempo como fato histórico – que se pode ter por superado, inclusive pela pacificação nacional decorrente do processo de anistia – esse episódio deixou feridas de natureza pessoal aos familiares dos envolvidos que precisam ser de alguma forma cicatrizadas definitivamente.”
Acrescentou: “Não há mais lugar para o desconhecimento ou a sonegação dos fatos históricos. [...] Impõem-se, assim, em clima de serenidade e equilíbrio, ao serem reconhecidos os legítimos direitos dos familiares dos mortos e desaparecidos no conflito –hoje página incontroversa da nossa História– assim proceder sem reabrir feridas e recriar divisões que o processo democrático superou.”
7Direitos Humanos: Em novembro de 2011, a 1ª Turma do STJ indeferiu um recurso do governo de Pernambuco que prolongava o suplício de um pobre diabo preso injustamente. Chamava-se Marcos Mariano da Silva. Havia sido encarcerado por ordem de um delegado, sem inquérito formal ou sentença condenatória. Verificada a ausência de culpa, a primeira instância do Judiciário determinara o pagamento de indenização de R$ 356 mil.
O preso sem culpa recorrera ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, que elevara o valor da indenização para R$ 2 milhões. O Estado governado por Eduardo Campos (PSB) recorrera ao STJ. Num embate que envolvia o cálculo da correção monetária, Pernambuco tentava reduzir a cifra. Relator do caso, Teori Zavaschi tentara encurtar a tortura judicial, ordenando que o pagamento fosse feito. Inconformado, o governo pernambucano exigira que o caso fosse submetido aos ministros da 1ª Turma do STJ.
A posição de Zavaschi prevaleceu por unanimidade na turma. Deu-se em 22 de novembro de 2011. Horas depois de tomar conhecimento de sua vitória judicial, o indenizado Marcos Mariano morreu. Desceu à cova com os sinais deixados pelo período no cárcere. Submetido a maus tratos que foram confirmados no curso do processo, ficara cego dos dois olhos. Perdera a capacidade de locomoção. Contraíra tuberculose. A família (mulher e 11 filhos) desagregara-se.
8Meio ambiente: Em junho de 2010, foi a julgamento na 1a Turma do STJ recurso da Usina Santo Antônio S.A. contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que ordenara o replantio de árvores derrubadas em área de reserva legal de uma fazenda. Pela decisão, o replantio deveria alcançar 20% da área de toda a propriedade.
A usina alegava que não fora responsável pelo desmatamento. E reivindicava que os 20% de replantio incidissem sobre a área que restara de vegetação, não sobre o total da propriedade. Relator do caso, Teori Zavaschi refugou os argumentos esgrimidos na petição. Sustentou que o cálculo reduzido levaria a um absurdo: “As áreas inteiramente devastadas não estariam sujeitas a qualquer imposição de restauração, já que sobre elas não haveria obrigação de promover reserva alguma.”
De resto, anotou em seu voto que a obrigatoriedade de replantio de matas nativas é “dever jurídico que se transfere automaticamente com a transferência do domínio.” Ou seja: ao comprar a fazenda, a usina herdara a obrigação de replantar as árvores derrubadas. Zavaschi foi seguido pelos colegas. Seu voto orna com os embates que Dilma trava no Congresso para impor a sua versão de Código Florestal.
9Praia de nudismo: em marco de 2005, Teori Zavaschi tomou uma decisão que manteve em pé resolução polêmica do governo do Rio. Baixada em 1994, a resolução autorizara a prática de nudismo na praia do Abricó, em Grumari. O advogado Jorge Béja inaugurara uma guerra judicial contra o ato. Em ação popular, invocara o artigo 233 do Código Penal, que tipifica como crime a prática de atos obscenos em locais públicos. Ganhara na primeira instância do Judiciário.
O governo fluminense recorrera ao Tribunal de Justiça do Rio. O processo correra de escaninho em escaninho por mais de oito anos. Só em 2003, o tribunal fluminense julgara a ação, indeferindo-a. Liberara a presença dos pelados em Abricó sob o argumento de que, “desde que restrito à área especialmente reservada para esse fim”, o nudismo nada tem de atentatório à moral e aos bons costumes.
O autor da ação popular foi bater às portas do STJ. Protocolou um recurso especial. A petição desceu à mesa do ministro Zavascki. Abstendo-se de meter a colher na polêmica, o magistrado decidiu que o recurso utilizado pelo advogado não era cabível para o caso. Aferrando-se a essa tecnicalidade, mandou o processo ao arquivo. Manteve-se assim, para gáudio dos sem-roupa, o nudismo de Abricó.
10Programação infantil: Liberal com os costumes dos adultos, Teori Zavaschi mostrou-se conservador numa decisão envolvendo menores de idade. Em 2009, quando era chefiado pelo petista Tarso Genro, o Ministério da Justiça autorizara as emissoras de tevê a exibirem sua programação sem observar a classificação indicativa nos Estados que não seguiam o horário de verão.
Em recurso ao STJ, o Ministério Público Federal chiou. Argumentou que cerca de 26 milhões de crianças e adolescentes residentes em Estados que não seguiam o fuso de Brasília seriam submetidas a programação imprópria para menores –cenas de sexo e violência, por exemplo. Coube a Zavaschi relatar o caso.
Em seu voto, referendado por unanimidade na 1a Turma do STJ, o ministro sustentou que a proteção das crianças e dos adolescentes é um valor constitucional que deve merecer do Estado “absoluta prioridade”. Para ele, a Constituição autoriza as “restrições quanto à veiculação de programas audiovisuais por emissoras de rádio e televisão, que fica subordinada à classificação por horários e faixas etárias.”
Deu razão ao Ministério Público, que invocara também o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) no trecho em que determina que “as emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.” O Ministério da Justiça e as emissoras tiveram de se ajustar à decisão.
Pano rápido: em novembro deste ano, também se aposenta compulsoriamente o ministro Carlos Ayres Britto. Cabe a pergunta: pior do que está fica?

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Continuando o assunto

Dos vídeos abaixo, é possível captarmos algumas frases bastante categóricas ditas pelo ex-Presidente da República. Por exemplo: "Até agora não foi provada a existência do mensalão", "Eu não acredito que tenha existido essa barbaridade na política nacional. Já tá provado que o mensalão vai, que a CPI vai constatar que não tem", "Eu estou esperando que o Congresso Nacional, pelos seus 513 deputados, pelo seu presidente, ou por quem quer que seja, dê à sociedade brasileira o veredito final. Afinal, teve ou não mensalão? Eu tenho certeza que não teve" e "Eu acho improvável, acho não, eu tenho certeza que é improvável que o PL tenha dado dinheiro para a campanha presidencial" (obs.: PL – Partido Liberal – era o partido de José Alencar, vice-presidente da República nos dois mandatos do governo Lula).

Aí então vem esse outro vídeo, tratando-se de um discurso proferido em rede nacional pelo ex-Presidente da República, também no ano de 2005. Por enquanto é só.




Direto do túnel do tempo (ou: já que é pra falar de "mensalão"...)

Que o "mensalão" tem dominado o noticiário, isso todo mundo vê. As sessões de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) só não devem estar dando mais ibope que novela das 8 porque simplesmente não são às 8. Mas que devem estar competindo palmo a palmo com a "Sessão da Tarde", ah, isso devem!

Parece-me que o escândalo está caminhando para a sua fase final - com um sério risco de ficar ainda mais escandaloso, com prescrição reconhecida a rodo, depois de dezenas de sessões de votação e de acalorados debates entre ministros acerca da culpa dos acusados.

Mas independentemente da efetiva aplicação de pena (no que realmente só acredito vendo), o fato é que, pelo visto, o STF caminha a passos largos para reconhecer, pelo menos, que o "mensalão" existiu. E isso, quer queira, quer não, tem lá alguma importância.

Em homenagem a esse momento "nunca antes visto na história desse país", vale relembrar a entrevista do ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva no programa "Roda Viva", ainda no ano de 2005, no auge da crise. Segue a "atração" editada em 2 (duas) partes. Divirtam-se.








sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Vereador preso tem "habeas corpus" denegado

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por decisão unânime da turma integrante da 4ª Câmara Criminal, negou "habeas corpus" impetrado por Wiltom Geraldo de Jesus Santos, vereador do Município de Gouveia/MG, e, por conseqüência, manteve a prisão preventiva decretada pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Diamantina/MG.

O vereador se encontra preso desde o dia 26 de abril de 2012 a pedido da 2ª Promotoria de Justiça, sob a acusação de se apropriar indevidamente dos benefícios previdenciários e reter documentos bancários de 4 (quatro) idosas residentes na zona rural de  Gouveia/MG, com idades que variam de 67 (sessenta e sete) a 80 (oitenta) anos.

Em sua decisão, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais salientou que "a segregação provisória mostra-se justificada diante das circunstâncias do delito e da periculosidade do agente, que na suposta prática dos delitos de apropriação de pensão (128 vezes) e retenção de cartão magnético de idosos, demonstra audácia e menosprezo à integridade física e psicológica das vítimas, uma vez que se trata de pessoas com idade avançada e que necessitam de suas pensões para sobreviverem" (veja a íntegra aqui).

A tendência agora é que o vereador permaneça preso no mínimo até o julgamento da ação penal, o que deve ocorrer em breve, uma vez que o processo (autos nº 0089848-46.2010.8.13.0216) se encontra na fase final, já tendo sido realizada a oitiva de todas as testemunhas.