quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Inclusão social e o direito de não consumir - parte III


Há alguns dias eu li uma reportagem em que o gerente nacional de publicidade e propaganda da Caixa Econômica Federal dizia que "é muito gratificante para a instituição ser reconhecida por contribuir na diminuição do déficit habitacional no país e na realização do sonho de muitos brasileiros".

Em uma página na internet, a Caixa Econômica Federal afirma que cumpre "um papel marcante no esforço pela inclusão social e pela erradicação da pobreza", estendendo "serviços bancários, inclusive crédito, à população de baixa renda". Balela. Conversa fiada.

O banco não é meu amigo. O banco não está preocupado com meus sonhos e nem com o déficit habitacional brasileiro. A Caixa Econômica Federal - assim como todo e qualquer banco - é uma empresa. Não faz favor a ninguém. Suas ações são voltadas à obtenção de lucro. Ela quer que eu compre uma casa própria não porque isso materializa a dignidade da pessoa humana, mas sim porque ela tem o interesse em financiar essa compra. Quando ela financia a compra de um imóvel, ela quer os juros que eu vou pagar sobre o dinheiro emprestado. É matemática, é negócio. Um banco é um comércio, assim como um açougue, uma sapataria ou uma joalheria. O açougue vende carnes; a sapataria vende sapatos; a joalheria vende jóias. O banco vende dinheiro. Dinheiro, aliás, que não é dele, mas sim dos outros investidores/poupadores.

O dono do açougue não vai ficar nem mais nem menos feliz em saber se o cliente vai fazer um churrasco de confraternização com os amigos ou se vai servir a carne em um velório. O dono da sapataria não está preocupado se o freguês vai comprar aquele sapato de bico fino para fazer trekking. O dono da joalheria não perde o sono para saber se o Rolex vai ser dado de presente para o marido ou para o amante. O que eles querem e os deixa felizes é só uma coisa: vender.

Isso não é, por si só, ilegítimo. O que não é legítimo e nem verdadeiro é a propaganda de inclusão social e de erradicação da pobreza. Que inclusão social é essa que se realiza tentando enfiar goela abaixo do consumidor um produto que ele não pediu para contratar e que muitas vezes não lhe trará qualquer utilidade? Que inclusão social é essa que cria para o consumidor uma dívida que não lhe foi esclarecida? Ao aumentar de maneira ardilosa o endividamento do consumidor, vendendo-lhe produtos que não lhe foram sequer apresentados e cujos contratos lhe foram entregues dissimuladamente para assinatura, o que ocorre não é inclusão, mas sim exclusão social. Exclusão pelo desrespeito, exclusão pela falta de esclarecimento, exclusão pelo abuso do poder econômico.

Na sociedade de consumo em que estamos inseridos, onde viver é quase que sinônimo de consumir (consumir diversão, consumir cultura, consumir saúde, consumir educação, enfim, consumir os mais diversos tipos de bens e serviços), a inclusão social costuma ser enxergada apenas por essa ótica: a inclusão pelo consumo. Se o indivíduo tem casa, carro, escola, lazer, ele está incluído; os que não têm acesso a isso são chamados excluídos. Esse, porém, é apenas um dos lados da moeda.

Além do direito de consumir bens essenciais, o indivíduo deve ter respeitado também o seu direito de não consumir produtos e serviços que não lhe interessem. Afinal, consumir é, via de regra, algo oneroso. Custa dinheiro. O consumo desmedido é nefasto não só para a economia (pois gera inflação), mas principalmente para o próprio consumidor, que, comprando inadvertidamente produtos e serviços desnecessários, tem seu modo de vida definido de maneira artificial e desequilibra suas finanças, podendo sofrer, como conseqüência, a exclusão da sociedade de consumo de bens essenciais.

A Caixa Econômica Federal - e qualquer outro banco - pode contribuir com a inclusão social não "empurrando" para o consumidor produtos onerosos de maneira dissimulada, mas sim fomentando o consumo consciente, de produtos e serviços cujos propósitos e utilidades sejam efetivamente esclarecidos ao consumidor. Isso, porém, lamentavelmente, parece não estar entre as metas a serem cumpridas.

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