Há alguns dias eu li uma reportagem em que o
gerente nacional de publicidade e propaganda da Caixa Econômica Federal dizia
que "é muito gratificante para a instituição ser reconhecida
por contribuir na diminuição do déficit habitacional no país e na realização do
sonho de muitos brasileiros".
Em uma página na
internet, a Caixa Econômica Federal afirma que cumpre "um papel marcante no esforço
pela inclusão social e pela erradicação da pobreza", estendendo "serviços bancários, inclusive
crédito, à população de baixa renda". Balela. Conversa fiada.
O banco não é meu
amigo. O banco não está preocupado com meus sonhos e nem com o déficit
habitacional brasileiro. A Caixa Econômica Federal - assim como todo e qualquer
banco - é uma empresa. Não faz favor a ninguém. Suas ações são voltadas à obtenção
de lucro. Ela quer que eu compre uma casa própria não porque isso materializa a
dignidade da pessoa humana, mas sim porque ela tem o interesse em financiar
essa compra. Quando ela financia a compra de um imóvel, ela quer os juros que
eu vou pagar sobre o dinheiro emprestado. É matemática, é negócio. Um
banco é um comércio, assim como um açougue, uma sapataria ou uma
joalheria. O açougue vende carnes; a sapataria vende sapatos; a joalheria
vende jóias. O banco vende dinheiro. Dinheiro, aliás, que não é dele, mas sim
dos outros investidores/poupadores.
O dono do açougue
não vai ficar nem mais nem menos feliz em saber se o cliente vai fazer um
churrasco de confraternização com os amigos ou se vai servir a carne em um
velório. O dono da sapataria não está preocupado se o freguês vai comprar
aquele sapato de bico fino para fazer trekking.
O dono da joalheria não perde o sono para saber se o Rolex vai ser dado de
presente para o marido ou para o amante. O que eles querem e os deixa felizes é
só uma coisa: vender.
Isso não é, por si
só, ilegítimo. O que não é legítimo e nem verdadeiro é a propaganda de
inclusão social e de erradicação da pobreza. Que inclusão social é essa que se
realiza tentando enfiar goela abaixo do consumidor um produto que ele não pediu
para contratar e que muitas vezes não lhe trará qualquer utilidade? Que
inclusão social é essa que cria para o consumidor uma dívida que não lhe foi
esclarecida? Ao aumentar de maneira ardilosa o endividamento do consumidor,
vendendo-lhe produtos que não lhe foram sequer apresentados e cujos
contratos lhe foram entregues dissimuladamente para assinatura, o que ocorre
não é inclusão, mas sim exclusão social. Exclusão pelo desrespeito, exclusão
pela falta de esclarecimento, exclusão pelo abuso do poder econômico.
Na sociedade de
consumo em que estamos inseridos, onde viver é quase que sinônimo de consumir
(consumir diversão, consumir cultura, consumir saúde, consumir educação, enfim,
consumir os mais diversos tipos de bens e serviços), a inclusão social costuma
ser enxergada apenas por essa ótica: a inclusão pelo consumo. Se o indivíduo
tem casa, carro, escola, lazer, ele está incluído; os que não têm acesso a isso
são chamados excluídos. Esse, porém, é apenas um dos lados da moeda.
Além do direito de
consumir bens essenciais, o indivíduo deve ter respeitado também o seu direito
de não consumir produtos e serviços que não lhe interessem. Afinal, consumir é,
via de regra, algo oneroso. Custa dinheiro. O consumo desmedido é nefasto não
só para a economia (pois gera inflação), mas principalmente para o próprio
consumidor, que, comprando inadvertidamente produtos e serviços desnecessários,
tem seu modo de vida definido de maneira artificial e desequilibra suas
finanças, podendo sofrer, como conseqüência, a exclusão da sociedade de consumo
de bens essenciais.
A Caixa Econômica Federal - e qualquer outro banco - pode contribuir com a inclusão social não "empurrando" para o consumidor produtos onerosos de maneira dissimulada, mas sim fomentando o consumo consciente, de produtos e serviços cujos propósitos e utilidades sejam efetivamente esclarecidos ao consumidor. Isso, porém, lamentavelmente, parece não estar entre as metas a serem cumpridas.
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