quarta-feira, 20 de junho de 2012

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A notícia abaixo foi publicada no site do portal "Uai". Ela relata um caso que engrossa a interminável lista de crimes impunes no nosso país.

E não precisamos ir até Belo Horizonte para buscarmos casos vergonhosos de leniência estatal. Aqui mesmo em Diamantina eu me recordo de haver denunciado por homicídio doloso (praticado com a intenção de matar, com pena que varia de 6 a 20 anos de reclusão) um cidadão que estava dirigindo um veículo sem habilitação, em excesso de velocidade, na contramão direcional e bêbado, com mais de 10 (dez) decigramas de álcool por litro de sangue - quando 6 (seis) decigramas já são suficientes para caracterizar o delito de embriaguez ao volante. Não bastasse tudo isso, ele já respondia a um outro processo criminal exatamente por dirigir embriagado.

Esse cidadão colidiu com uma motocicleta, provocando a morte do respectivo condutor. Minha argumentação foi no sentido de que, diante de todas essas peculiaridades mencionadas acima, ele assumiu o risco de produzir o resultado morte, tendo agindo desde o início com excepcional indiferença, desobedecendo de uma só vez diversas normas de comportamento.

Em 1ª instância, o Juiz acolheu esses argumentos e reconheceu que o acusado deveria ser julgado pelo Júri popular. Porém, houve recurso da defesa e o Tribunal acabou revendo essa decisão, dizendo que "pelas circunstâncias que cercaram o fato não se vislumbra" que o réu tenha consentido em produzir o resultado morte. Se alguém não acredita, o acórdão do TJMG pode ser acessado aqui. Com isso, o réu poderá ser condenado por homicídio culposo (praticado sem intenção de matar, com pena de varia de 2 a 4 anos de detenção e possibilidade de substituição por "penas alternativas").

Somos ou não somos uma république bananière?



Prescrição por lentidão do judiciário garante impunidade a francêsEstrangeiro dirigia alcoolizado quando bateu em carro com cinco amigos na Savassi. Uma das vítimas continua em estado vegetativo


Publicação: 20/06/2012 06:00 Atualização: 20/06/2012 06:54


 "Estou no Brasil. Aqui nada acontece", Olivier Rebellato, francês que causou acidente em Belo Horizonte, na época, ao duvidar que seria punido

Madrugada de sexta-feira. Em clima de festa, cinco amigos voltam de uma boate pela Rua Alagoas, na Savassi, Zona Sul de Belo Horizonte, em um Mercedes Classe A, sem saber que seus destinos mudarão em fração de segundos. Ao passar pelo cruzamento com a Avenida Cristóvão Colombo, por volta das 3h50, o carro em que estão é destruído por um Chevrolet Captiva, dirigido pelo francês Olivier Rebellato. Quem vê o acidente conta que o estrangeiro, sem habilitação regular no Brasil, passou direto pelo sinal vermelho, em alta velocidade. Todos os ocupantes do Classe A se feriram e, desde então, uma jovem, hoje com 29 anos, está presa à cama, em estado vegetativo. Naquele 17 de abril de 2009 começava um enredo de irresponsabilidade, impunidade, injustiça, dor e revolta que teve um dos principais capítulos encerrado ontem. Beneficiado pela mesma Justiça da qual zombou, o francês, que dirigia alcoolizado, não pode mais ser responsabilizado criminalmente. Mais de três anos após o acidente, as vítimas foram ontem notificadas de que a demora em julgar o caso fez com que o processo prescrevesse. “É um absurdo, dá raiva, mas eu já esperava. A gente sabe que a impunidade é regra no Brasil”, revolta-se André Eduardo Magalhães, de 29 anos, que ficou em coma por 30 dias após o desastre.

Teste do bafômetro constatou que Olivier Rebellato dirigia sob efeito de álcool    (Sidney Lopes/EM/D.A Press -  17/4/09)
Teste do bafômetro constatou que Olivier Rebellato dirigia sob efeito de álcool
O francês também sabia da regra. Tanto que, mesmo sabendo da gravidade do acidente que provocou, debochou da situação, dizendo que, por estar no Brasil, nada aconteceria. E foi além: acrescentou que o caso só teve repercussão por que ele dirigia “um carro caro”, e não “um Fusca”. A situação de desamparo das vítimas – que assistiram impotentes ao causador do sofrimento ser solto, ter o passaporte devolvido por decisão judicial, fugir e agora ser livrado devido à demora da Justiça – não é um caso isolado. Só neste ano prescreveram 11 processos relativos a crimes de trânsito em Minas Gerais. Acidentes em que condutores alcoolizados mataram, feriram ou conduziram seus veículos de forma irresponsável. Em todos os autos os magistrados deixam claro sua insatisfação com a lentidão do Judiciário, que culminou na extinção da punição. No ano passado foram 30 processos de trânsito nessa situação, 33 em 2010 e 16 em 2009.

O francês Olivier Rebellato, então com 20 anos, foi preso em flagrante no dia do acidente e denunciado pelo Ministério Público por três crimes de trânsito: conduzir veículo sob efeito de álcool, dirigir sem habilitação e por causar lesão corporal culposa nas vítimas do acidente. Seis meses depois, a Justiça concedeu a ele liberdade provisória, condicionada ao pagamento de R$ 5.935,57 de fiança. Também devolveu-lhe o passaporte. Assim que recebeu o documento, o estrangeiro deixou o Brasil e se refugiou na França, onde está “a salvo”, já que o país não extradita seus cidadãos. Como o acusado desapareceu, a Justiça ordenou sua prisão preventiva, medida que acabou cassada com a prescrição do crime.

As falhas que garantiram a impunidade ao francês indignaram o próprio desembargador que constatou a prescrição, Renato Martins Jacob. Ele não quis comentar o processo, mas suas palavras no texto jurídico soam como um desabafo envergonhado. Na decisão, o magistrado considera que Olivier “praticou gravíssimo delito de trânsito”. Ele vai além, admitindo não ter perspectivas de que a Justiça prevaleça sobre a impunidade nos crimes de trânsito: “O quadro é de impotência e de desalento. Triste país. Às vítimas – cujas sequelas psicológicas agora são agravadas pela impunidade – resta-me pedir perdão, porque sou peça de um Judiciário moroso e que não se sensibiliza com tragédias como a descrita nos presentes autos”, escreveu.

As linhas da decisão seguem tecendo críticas à legislação brasileira e à inépcia do sistema judiciário. “O paciente foi responsabilizado pelo cometimento de crime culposo, cuja pena, como todos sabem, não se mostra suficiente para cumprir a sua finalidade de prevenção e repressão do crime”, diz o texto da decisão. Jacob completa, destacando que o que já não era rigoroso, se torna ainda pior e incentiva os comportamentos criminosos. “A insuficiência da pena ainda produz efeito mais nefasto no seio da comunidade, na medida em que propicia a prescrição da pretensão punitiva do Estado, causa, essa, de mais descrença e certeza da impunidade.”

O advogado e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) Fábio Tofic considera a prescrição um importante instrumento para impedir que a ineficiência do Estado culmine em punição antes do julgamento. Contudo, essa mesma incompetência, na sua visão, traz impunidade. “O que era uma garantia para que o acusado não ficasse indefinidamente sujeito ao processo e um limite para que sua culpa fosse provada se tornou um alento para quem comete crimes”, disse. Para o especialista em direito criminal, as mesas abarrotadas de processos dos desembargadores é que emperram o sistema. “A segunda instância é onde a morosidade mais ocorre. Dessa forma, penas pequenas acabam em prescrição. Isso porque o tempo de extinção do processo depende do tempo máximo de pena”, afirma. O especialista argumenta ainda que os prazos da defesa e do Ministério Público são curtos demais para causar tantas prescrições. “Os juízes não têm prazos. Por isso levam meses para despachar decisões simples”, diz Tofic.

Advogado das vítimas, Marcos Egg, que assistiu a promotoria no processo criminal contra Olivier, garante ter cobrado diariamente para que a Justiça não perdesse o prazo de julgamento. “Fomos todos os dias ao fórum. Mas os juízes levavam três meses para liberar um despacho de uma página. A secretaria (do tribunal) precisou de um mês para juntar o processo. Agora, resta apenas o processo cível. Pedimos R$ 2 milhões para os feridos”, disse o advogado, que tentará executar os bens do francês. “Mesmo ele estando em seu país, podemos conseguir isso por meio de tratados internacionais”, espera.

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