quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A Defensoria Pública e a síndrome de Heisenberg

Werner Heisenberg (1901-1976) foi um físico alemão que, em 1932, ganhou o Nobel de física. Para receber um prêmio desse porte sendo tão jovem, ele, obviamente, fez uma descoberta sensacional, enunciada como "princípio da incerteza". Em termos bem genéricos, é o seguinte: 1 (um) elétron pode estar em 2 (dois) lugares diferentes simultaneamente.

Ou seja, um elétron é aquela partícula para a qual você olha e, se alguém lhe perguntar, você não vai saber responder objetivamente onde ele está.

Um elétron quer estar em 2 (dois) lugares diferentes ao mesmo tempo. E está. A Defensoria Pública (DP) quer estar em 2 (dois) lugares diferentes ao mesmo tempo. E tem estado. A Defensoria está padecendo da síndrome de Heisenberg.

Ultimamente temos visto reportagens em profusão noticiando o ajuizamento de inúmeras ações civis públicas por essa valorosa instituição, pelos mais diversos motivos.


As causas em questão, evidentemente, são as mais nobres possíveis. Versam sobre direitos difusos fundamentais (proteção do meio ambiente, defesa do consumidor, tutela da moralidade administrativa, etc.). Todas se referem a interesses pertencentes não a uma só pessoa, individualmente, mas a toda sociedade, coletivamente. Então, ao atuar naquelas causas, a Defensoria age como protetora da sociedade.

Eis, porém, que hoje, ao visitar o site do Supremo Tribunal Federal (STF), vi uma notícia de que a DP - essa mesma que outrora atuava na defesa da sociedade - havia impetrado um habeas corpus requerendo a absolvição de um réu condenado por estelionato cometido contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que resultou em um prejuízo de R$4.000,00 (quatro mil reais) aos cofres públicos, argumentando que esse valor é insignificante. Essa é a DP atuando na defesa de interesse individual.

Outro exemplo: recentemente, em julgamento rumoroso do Tribunal do Júri da Comarca do Rio de Janeiro, após a condenação da ré, foi um defensor público aos microfones para comemorar a condenação. Isso mesmo: um defensor público atuou no julgamento como acusador.

Diga-me, então, leitor amigo: como pode uma mesma instituição estar ora de um lado, ora de outro? Afinal de contas, qual é o lado em que a DP deve estar?

Um bom lugar para procurarmos a resposta é a nossa Constituição. O art. 134, da Constituição da República de 1988, estabelece que "a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5°, LXXIV" (o grifo é meu).

O art. 5°, LXXIV, da Constituição, por sua vez, afirma que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (o grifo é meu novamente).

A leitura desses dispositivos constitucionais remete à conclusão de que a Defensoria Pública é incumbida de viabilizar o acesso à Justiça das pessoas pobres. Missão das mais honrosas, diga-se de passagem. Mas aí vêm as perguntas: quem são os necessitados representados pela DP na ação ajuizada contra a Chevron? Quem são os carentes - refiro-me aos carentes mesmo, e não aos "remediados" - prejudicados pelo caos aéreo? Quem são os pobres a quem aproveitará a condenação de servidores públicos por ato de improbidade? Enfim, atuar como substituta da sociedade é realmente a função da DP?

Essas perguntinhas não são irrelevantes. É que enquanto a DP canaliza recursos humanos e financeiros para atuar na defesa de interesses difusos de pessoas que não são carentes, aquelas verdadeiramente carentes estão indefesas por aí.

Basta corrermos os olhos pelas Comarcas ao nosso redor - aqui em Minas Gerais isso é sobremodo evidente - e perguntarmos se a DP tem ajuizado ações de investigação de paternidade em favor de crianças de pai desconhecido, ações de alimentos para os menores abandonados materialmente pelos pais, ações de indenização em favor de idosos motivadas pela cobrança extorsiva de juros de cartão de crédito, ações de divórcio, ações de guarda de filhos, e por aí vai.

Como visto, a DP padece mesmo de uma aguda síndrome de Heisenberg. O remédio o doutor já receitou: é Constituição, de 4 (quatro) em 4 (quatro) horas, até passar a crise.

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