terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Carta aberta aos membros do Congresso Nacional a respeito da PEC 56/2011

Excelentíssimos Senhores Deputados e Senadores,

Confesso que não sei bem como começar esta carta. Na realidade, já há algum tempo que eu tenho vontade de escrevê-la, mas ainda não o fizera por acreditar que ela jamais mereceria a atenção de Vossas Excelências. Agora que eu resolvi redigir essas mal traçadas linhas, talvez não tenha sido uma boa idéia publicá-las neste blog. Afinal, corro o risco de que os senhores não dêem muita importância ao seu conteúdo, por acharem que blogs são coisa de gente jovem demais - e por isso supostamente imatura. Posso lhes assegurar que não é bem assim, e, por isso, peço-lhes que tentem vencer essa aparente barreira inicial. Prometo tentar ir direto ao assunto para não tomar muito do precioso tempo de Vossas Excelências.

É de meu conhecimento que em 12 de julho de 2011 foi apresentada em Plenário a Proposta de Emenda Constitucional 56/2011, que, a pretexto de aperfeiçoar o Poder Judiciário e o Ministério Público, trazendo os candidatos mais qualificados e com maior vivência dos problemas jurídicos e judiciais, estabelece o mínimo de 30 (trinta) anos de idade e 5 (cinco) anos de atividade jurídica para ingresso nas respectivas carreiras.

Fiquei bastante assustado com essas restrições. Posso presumir - e essa presunção não admite prova em contrário - que Vossas Excelências têm conhecimento de que no Brasil a idade mínima para que a pessoa responda penalmente pelo seus atos é de 18 (dezoito) anos (art. 228, da CR/88). Muitos dos senhores, inclusive, são defensores da idéia de que esse limite deve ser até reduzido, por entenderem que nos dias de hoje indivíduos mais jovens que isso já têm plena consciência dos seus atos e maturidade suficiente para optar por praticá-los.

Além disso, creio firmemente que Vossas Excelências sabem que jovens de 16 (dezesseis) anos de idade já podem até votar (art. 14, parágrafo 1º, II, 'c', da CR/88). Estou certo, inclusive, de que muitos dos senhores foram eleitos com o voto dos jovens dessa faixa etária, que evidentemente votaram com maturidade e fizeram as melhores escolhas - os senhores são o exemplo vivo de que isso é a mais pura verdade.

Essas 2 (duas) situações, quando cotejadas com a PEC 56/2011, não deixam de causar perplexidade, pois se um indivíduo é maduro o suficiente para responder com sua própria liberdade pelas suas condutas e se ele pôde escolher Vossas Excelências para definirem os rumos do País, parece-me que não há qualquer impedimento a que ele almeje ser o que quer que seja, profissionalmente.

Mas a minha perplexidade aumenta quando eu leio a nossa Constituição e vejo que, para ser Vereador, exige-se o mínimo de 18 (dezoito) anos, ao passo que para ser Deputado Federal, Estadual ou Distrital, a idade mínima é de 21 (vinte e um) anos.

Quando eu tinha 10 (dez) anos de idade - e, portanto, estava ainda um pouco longe de ter 16 (dezesseis), 18 (dezoito) ou 21 (vinte e um) - fiz um trabalho escolar, a pedido da minha professora de 4ª série, no qual aprendi que a função do Poder Legislativo é elaborar as leis, a do Executivo é executar as leis, e a do Judiciário é fazer cumprir as leis - naquela época, naturalmente, eu nem sabia o que era Ministério Público, embora depois eu viesse a descobrir que sua função é a de defender a ordem jurídica; num bom português, fazer cumprir as leis, embora de forma um pouco diferente do Judiciário.

Vejam só que contra-senso: de acordo com a PEC 56/2011, para cumprir a lei será exigido ter mais idade do que para elaborar a lei.

Tudo bem que a tarefa de legislar, não por culpa de Vossas Excelências, esteja um pouco banalizada - afinal, mais de 15% (quinze por cento) das leis ordinárias (por favor, sem nenhum sentido pejorativo) elaboradas em 2011 tinham como finalidade instituir o dia de alguma coisa (dia do quadrilheiro junino, dia do calcário agrícola, dia do extensionista rural, etc.) ou denominar alguma obra (pontes, trechos de rodovia, viadutos, etc.).

Mas o fato é que quem tem o papel de fazer cumprir a lei não age de acordo com a sua vontade particular, mas apenas de acordo com a lei; quem tem o papel de elaborar a lei possui o poder de fazer a vontade que quiser. Até admito estar enganado, mas creio que, sendo assim, os controles deveriam ser mais rígidos justamente sobre quem faz as leis, e não sobre aqueles que são simplesmente encarregados de seu cumprimento. Quem faz cumprir a lei apenas age dentro dos limites do que já está posto; quem elabora as leis decide o que vai ser posto e o que deve ser cumprido.

Continuando o raciocínio, mas agora sob outra perspectiva, causa um pouco de estranheza o fato de se elevar a idade mínima para ser juiz ou promotor, mas não se fazer nenhuma menção a outras funções essenciais à Justiça, como a Advocacia e a Defensoria Públicas, ou mesmo à função de delegado de Polícia. É confiada a todos esses profissionais considerável parcela de autoridade - eles podem representar judicialmente os interesses de autarquias públicas (interesses públicos), ajuizar ações coletivas e prender pessoas! Por qual motivo, então, a PEC 56/2011 não quer aperfeiçoar também o ingresso na Advocacia-Geral da União, na Defensoria Pública e na Polícia Civil ou Federal? Se aperfeiçoamento é uma idéia positiva, é desejável que ela seja estendida a todos. Isso, aliás, também se aplica aos advogados privados.

Compreendo que a intenção de Vossas Excelências é realmente a de melhorar o Ministério Público e o Poder Judiciário. Sei que vários dos que assinaram a PEC 56/2011 foram ou são usuários dos serviços prestados por essas instituições, e podem eventualmente não ter ficado satisfeitos com o atendimento que lhes foi dispensado.

Mas realmente não me parece que o melhor caminho para esse aperfeiçoamento diga respeito à estipulação de uma idade mínima para ingresso nas respectivas carreiras. O que devemos evitar não são as pessoas jovens; são, sim, as pessoas imaturas, prepotentes, arrogantes e, sobretudo, desonestas e sem caráter. Se a Constituição prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 5º, LVII), parece-me razoável que os jovens não sejam presumidos bandidos ou incompetentes simplesmente pelo fato de serem jovens. O próprio "Estatuto da Juventude", votado e aprovado na Câmara dos Deputados no fim do ano passado, assegurará que os jovens terão direito à ocupação de espaços públicos de tomada de decisões, como reconhecimento do direito fundamental à participação (art. 6º), sendo vedada qualquer discriminação por causa de sua idade (art. 18, I).

Convenhamos, senhores Deputados e Senadores: os últimos escândalos de corrupção e de inépcia noticiados na imprensa nacional não tiveram nenhum protagonista que possa ser chamado de "jovem" - assim considerados os menores de 30 (trinta) anos de idade.

Além desses aspectos "filosóficos", Excelências, creio que limitar o acesso aos cargos do Poder Judiciário e do Ministério Público a pessoas maiores de 30 (trinta) anos de idade traria um grande e indesejável esvaziamento dessas instituições. Afinal de contas, atualmente, os bacharéis em Direito mais jovens têm entre 21 (vinte e um) e 23 (vinte e três) anos de idade. Depois de 7 (sete) a 9 (nove) anos de trabalho, qualquer pessoa tem enormes dificuldades em mudar o rumo profissional. São riscos muito grandes e escolhas muito sérias, que repercutem tanto no aspecto financeiro, quanto no familiar. Para Vossas Excelências compreenderem isso, basta olharem a seu redor: muitos dos senhores estão aí em Brasília há bastante tempo, e certamente sabem das dificuldades que terão de enfrentar quando resolverem parar de servir a sociedade para se dedicarem a outras funções.

Enfim, senhores Deputados e Senadores, com toda a minha sinceridade, creio que das várias mazelas que eventualmente atingem o Ministério Público e o Poder Judiciário, nenhuma está ligada à juventude. Por isso, não acho que esta seja algo essencialmente negativo. Mas se de tudo o que eu disse nada foi capaz de convencê-los, considerem que a juventude é um defeito que o tempo corrige. Já para a correção dos outros defeitos que envergonham a nação o remédio é outro e atende pelo nome de decência.

Respeitosamente,

Adriano Dutra Gomes de Faria

4 comentários:

Neanderson disse...

Adriano,

Não havia meditado sobre as considerações postas em seu texto. No primeiro momento até pensei que seria salutar esta Emenda Constitucional, mas após as suas considerações, tenho a lhe dizer que mudei a minha opinião.

Neanderson

Fernanda disse...

Tive uma enorme sensação de prazer ao ler sua carta aos nossos legisladores, de grande valia por mostrar questões bem fundamentadas, e acima de tudo, reais... devo agradecer pela defesa, de nós, q iniciamos nossa caminhada no direito!!

Anônimo disse...

Se o senhor fosse à uma intituição pública. como ministério público ou poder judiciário... na qualidade de um simples trabalhador do mais baixo nível social, o senhor seria o primeiro a tecer comentários a favor da elevação da idade minima para funções de juizes e promotores, com rarissimas exceções, a falta de maturidade e visão de vida prejudica muito a prestação jurisdicional. Q Deus abençõe a aprovação dessa emenda! Só acho certo tb aprovarem para delegados e defensorias...

matheus disse...

Quem sois vós "anônimo" para dizer que a maturidade adequada para os referidos cargos é aos 30 anos se o senhor, que certamente tem mais de 30 anos desconhece o próprio sentido da palavra Democracia e prefere se esconder atrás de um pseudônimo. Sem dúvida essa PEC trás um grito de desespero, como o de V sra, daqueles que vivem em nosso tempo sem vivê-lo, sem compreender o Direito e como deve ser regido sua aplicação e a efetivação dos direitos fundamentais.